as cidades ocultas
curadoria: Duda Affonso e JP
produção: Victor Gonçalves
Atelier B12
Pensar as metrópoles - São Paulo, Lisboa, Porto, Paris, Tokyo - e seu estado de franca decadência e ruína frente à lógica de um
pensamento descentralizado. Para que servem as cidades daqui em diante?
As cidades invisíveis, ocultas por baixo do asfalto e acima das nuvens onde passam informações da televisão e dado celulares e que vão tomando forma enquanto cidade propriamente dita. De uma maneira ou de outra, “a cidade é redundante: repete-se para fixar alguma imagem na mente [...] a memória é redundante: repete os símbolos para que a cidade comece existir.” (Calvino, p. 17) Uma cidade de possibilidades: sentia que a memória que trouxe pra cidade e pras pessoas que estavam fazendo o rolê acontecer naquele momento, inventou uma cidade nova. Os mais jovens não podem achar que sã os donos da cena - a cidade tem uma história ao mesmo tempo que as cidades contam suas próprias histórias. Quem é que fazia a cena das antigas? Nota: quem são essas pessoas? “Assim - dizem alguns - confirma-se a hipótese de que cada pessoa tem em mente uma cidade exclusivamente feita de diferenças, uma cidade sem figuras e sem forma, preenchida pelas cidades particulares.” (Calvino, p. 25) A pós-modernidade nos convoca a um eterno presente, uma espécie de obsolescência programada daquilo que já não é o agora. As metrópoles são as passarelas para as coisas da moda: os tênis, os óculos, as bolsas, os jeans e etc. Entretanto, que coisa é aquela tão básica quanto a camisola branca por baixo da camisa de botão da pasteleira? O que resiste no tempo das cidades - o que sobrevive à velocidade furiosa dos carros nas autopistas?
A memória fica registrada no canto empoeirado da escada do metrô e fica também no rastro rasgado da bandeira velha hasteada em frente a um hotel barato. A senhora acorda cedo para passar o café e fica olhando a vida pela janela da sala enquanto seu gato Nuno roça-se por entre seus pés e passa a pontinha do rabo por suas coxas. Fugir: estar na cidade é quer constantemente não estar nela. Pegar um voo para qualquer lugar a preços promocionais e ficar dias a dormir em um sofá da ikea semi-confortável apenas para estar em outro lugar às voltas com outros problemas. Voltar e receber como boas-vindas a cagada de um pombo daqueles que desde antes da viagem, e talvez antes mesmo da minha vinda para esta morada, fica ali pousado no portal da entrada. Escolheu logo hoje, quando senti que seria finalmente feliz na cidade. Pequenas e grandes fugas, há dias em que o simples ato de pegar o skate e deslizar pelas ruas é suficiente, uma forma de navegar entre os arranha-céus, de cortar o vento e sentir a cidade sob as rodas. A liberdade mora nesses pequenos gestos, nas escolhas de trajetos que não necessariamente levam a um lugar novo, mas reconfiguram o velho, o conhecido, gasto pela rotina e pelo
tempo. A cidade, nesse ir e vir, é sempre outra, nova ainda que velha. Aquele poste caído na esquina, a placa enferrujada, o banco da praça onde já não se pode sentar, o buraco no asfalto, o bueiro fétido, a merda do cachorro ao cruzar a esquina.
Esses vestígios de outras eras se entrelaçam com a pressa do presente, criando uma paisagem onde o passado e o futuro colidem a cada instante. Percorrer a cidade é como assistir a um filme, as imagens passam em velocidade pelos olhos enquanto se coleta instantâneos mais ou menos nítidos, mais ou menos ruidosos. Lembrar das cidades é como lembrar de um sonho já que “as cidades, como os sonhos, são construídas por desejos e medos, ainda que o fio condutor de seu
discurso seja secreto, que as suas regras sejam absurdas, as suas perspectivas enganosas, e que todas as coisas escondam
uma outra coisa.” (Calvino, p. 29)
A cidade nos engole e nos empurra. Os trajetos se repetem, os passos ecoam nas calçadas gastas, e o caminho que parece sempre o mesmo se reinventa no detalhe invisível. Cada ida para o trabalho, para a universidade, o bar de esquina ou a casa das amizades fazem uma dança involuntária entre ruas e avenidas, com o asfalto quente, o tilintar das moedas no bolso e o som abafado de vidas passando apressadas. Entramos em carros de aplicativos, táxis, ônibus, a boleia na mota da colega de trabalho – como se fosse um ritual moderno, onde o destino, por mais rotineiro que seja, carrega consigo um ar de mistério.
O metrô nos conduz por corredores de concreto e aço, onde o barulho do trem se funde ao canto estridente de uma cidade
que não dorme, onde os sons, por vezes, imitam o canto dos pássaros que se perderam entre os prédios - por outras, se confundem com o apito desesperado das trotinetes afogadas na fonte luminosa. A cidade, apesar de bela, é injusta, afasta dos centros urbanos a vida dos habitantes que a constroem cotidianamente dando lugar ao transeunte que, despreocupadamente, usa e abusa de seus espaços. A cidade inclui, a cidade exclui, a cidade beneficia, a cidade abusa, a cidade cansa e a cidade acolhe - quem tem direito às cidades? Para que servem as cidades daqui em diante?
a s c i d a d e s o c u l t a s
09.11.24 - 30.11.24
Artistas:
Alice Turnbull, Diogo Bolota, Gilson Schwartz, João Parente, Luiza Baldan,
Paula Ferreira, Pedro Gomes, Simon David, Victor Gonçalves e Xavier Ovídio.
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Calvino, Italo (1990). As cidades invisíveis. Editora Companhia das Letras.
curadoria: Duda Affonso e JP
produção: Victor Gonçalves
Atelier B12
Pensar as metrópoles - São Paulo, Lisboa, Porto, Paris, Tokyo - e seu estado de franca decadência e ruína frente à lógica de um
pensamento descentralizado. Para que servem as cidades daqui em diante?
As cidades invisíveis, ocultas por baixo do asfalto e acima das nuvens onde passam informações da televisão e dado celulares e que vão tomando forma enquanto cidade propriamente dita. De uma maneira ou de outra, “a cidade é redundante: repete-se para fixar alguma imagem na mente [...] a memória é redundante: repete os símbolos para que a cidade comece existir.” (Calvino, p. 17) Uma cidade de possibilidades: sentia que a memória que trouxe pra cidade e pras pessoas que estavam fazendo o rolê acontecer naquele momento, inventou uma cidade nova. Os mais jovens não podem achar que sã os donos da cena - a cidade tem uma história ao mesmo tempo que as cidades contam suas próprias histórias. Quem é que fazia a cena das antigas? Nota: quem são essas pessoas? “Assim - dizem alguns - confirma-se a hipótese de que cada pessoa tem em mente uma cidade exclusivamente feita de diferenças, uma cidade sem figuras e sem forma, preenchida pelas cidades particulares.” (Calvino, p. 25) A pós-modernidade nos convoca a um eterno presente, uma espécie de obsolescência programada daquilo que já não é o agora. As metrópoles são as passarelas para as coisas da moda: os tênis, os óculos, as bolsas, os jeans e etc. Entretanto, que coisa é aquela tão básica quanto a camisola branca por baixo da camisa de botão da pasteleira? O que resiste no tempo das cidades - o que sobrevive à velocidade furiosa dos carros nas autopistas?
A memória fica registrada no canto empoeirado da escada do metrô e fica também no rastro rasgado da bandeira velha hasteada em frente a um hotel barato. A senhora acorda cedo para passar o café e fica olhando a vida pela janela da sala enquanto seu gato Nuno roça-se por entre seus pés e passa a pontinha do rabo por suas coxas. Fugir: estar na cidade é quer constantemente não estar nela. Pegar um voo para qualquer lugar a preços promocionais e ficar dias a dormir em um sofá da ikea semi-confortável apenas para estar em outro lugar às voltas com outros problemas. Voltar e receber como boas-vindas a cagada de um pombo daqueles que desde antes da viagem, e talvez antes mesmo da minha vinda para esta morada, fica ali pousado no portal da entrada. Escolheu logo hoje, quando senti que seria finalmente feliz na cidade. Pequenas e grandes fugas, há dias em que o simples ato de pegar o skate e deslizar pelas ruas é suficiente, uma forma de navegar entre os arranha-céus, de cortar o vento e sentir a cidade sob as rodas. A liberdade mora nesses pequenos gestos, nas escolhas de trajetos que não necessariamente levam a um lugar novo, mas reconfiguram o velho, o conhecido, gasto pela rotina e pelo
tempo. A cidade, nesse ir e vir, é sempre outra, nova ainda que velha. Aquele poste caído na esquina, a placa enferrujada, o banco da praça onde já não se pode sentar, o buraco no asfalto, o bueiro fétido, a merda do cachorro ao cruzar a esquina.
Esses vestígios de outras eras se entrelaçam com a pressa do presente, criando uma paisagem onde o passado e o futuro colidem a cada instante. Percorrer a cidade é como assistir a um filme, as imagens passam em velocidade pelos olhos enquanto se coleta instantâneos mais ou menos nítidos, mais ou menos ruidosos. Lembrar das cidades é como lembrar de um sonho já que “as cidades, como os sonhos, são construídas por desejos e medos, ainda que o fio condutor de seu
discurso seja secreto, que as suas regras sejam absurdas, as suas perspectivas enganosas, e que todas as coisas escondam
uma outra coisa.” (Calvino, p. 29)
A cidade nos engole e nos empurra. Os trajetos se repetem, os passos ecoam nas calçadas gastas, e o caminho que parece sempre o mesmo se reinventa no detalhe invisível. Cada ida para o trabalho, para a universidade, o bar de esquina ou a casa das amizades fazem uma dança involuntária entre ruas e avenidas, com o asfalto quente, o tilintar das moedas no bolso e o som abafado de vidas passando apressadas. Entramos em carros de aplicativos, táxis, ônibus, a boleia na mota da colega de trabalho – como se fosse um ritual moderno, onde o destino, por mais rotineiro que seja, carrega consigo um ar de mistério.
O metrô nos conduz por corredores de concreto e aço, onde o barulho do trem se funde ao canto estridente de uma cidade
que não dorme, onde os sons, por vezes, imitam o canto dos pássaros que se perderam entre os prédios - por outras, se confundem com o apito desesperado das trotinetes afogadas na fonte luminosa. A cidade, apesar de bela, é injusta, afasta dos centros urbanos a vida dos habitantes que a constroem cotidianamente dando lugar ao transeunte que, despreocupadamente, usa e abusa de seus espaços. A cidade inclui, a cidade exclui, a cidade beneficia, a cidade abusa, a cidade cansa e a cidade acolhe - quem tem direito às cidades? Para que servem as cidades daqui em diante?
a s c i d a d e s o c u l t a s
09.11.24 - 30.11.24
Artistas:
Alice Turnbull, Diogo Bolota, Gilson Schwartz, João Parente, Luiza Baldan,
Paula Ferreira, Pedro Gomes, Simon David, Victor Gonçalves e Xavier Ovídio.
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Calvino, Italo (1990). As cidades invisíveis. Editora Companhia das Letras.